sexta-feira, 5 de julho de 2013

Ainda é cedo.

“Falamos o que não devia nunca ser dito por ninguém.”




Eu abri a garrafa como se a tivesse encontrado no meio do deserto. Era uma miragem? Poderia ter sido.  Aquilo tudo, bem que podia não passar de um sonho trágico. 
Olhei meu braço. Ainda estava roxo. Cada vez mais escuro... Era real.
Me perguntei mais uma vez o que me deu na cabeça quando saí de casa como um cão raivoso.  E eu poderia até pregar aquele discurso de “eu não sou disso”, mas eu sou bem disso. Não foi a primeira vez, e com certeza, não será a última.

Eu sempre bebo, e isso me acalma. Mas eu não bebi. Eu não dei sequer um trago no cigarro!
Marchei em direção à casa dele e entrei ruidosamente pela porta, como se tivesse um mandato. Ele se assustou, acho que ficou esperando a voz de prisão. Foi até engraçado.
Eu pude ver várias luzes se acendendo pela vizinhança, enquanto eu berrava dentro do trailler.Eu berro, tu, eu já não sei, mas ele berrava bastante também. Não deu explicações, não pediu desculpas, só fazia arremessar na minha cara tudo o que eu havia feito errado em toda a minha vida.


— Como se você fosse santa! Já bebeu quanto hoje? Quantos maços já fumou? Você pensa que eu não conheço sua história? Acha que eu não soube de todas as malditas vezes em que você não dormiu sozinha? Eu sempre soube! Cada vez que eu entrava naquele bar, eu torcia, eu quase rezava para que, só por hoje, ninguém viesse me falar de você, contar algo. Não foi um amigo só que eu perdi por sua causa! Por sair no braço, depois d’ele me contar uma história sua, que eu sabia que era verdade! Agora você mexe esse seu rabo, da sua casa, até aqui, desce o pé na porta, acorda a porra do bairro inteiro, para me cobrar algo? Eu já aturei muita coisa sua, porque sei que isso tudo é culpa do seu pai blá-blá-blá-blá... 

Foi assim que eu ouvi. Ele teve a coragem de falar do meu pai!
(Meu pai era o alcoólatra que eu mais amava no Universo. Isso basta.)
Eu não sei bem quanto tempo se passou, mas quando me dei conta, o vinil do Black Sabbath já estava partido em dois e voando, sem escalaS, para a cara dele. Ele não desviou, ele nem piscou. Deixou que as duas metades daquilo que fora seu maior tesouro o atingissem em cheio.
 Saiu um pouco de sangue, quando um dos pedaços pontiagudos provocou um pequeno corte.

Tão rápido que eu quase nem vi, ele veio até mim, O meu braço agora estava sendo esmigalhado em suas mãos, e ele me olhava tão de perto e tão intensamente, que eu tive medo. Ainda assim, mergulhei naquele olhar... Havia fogo.
Por um instante, eu pensei que ele ia me matar.  Mas quando eu menos esperava, ele aproximou lentamente seus lábios dos meus... Quanto mais me beijava, mais forte o apertão que dava em meu braço ficava... O resto é previsível.

Olho mais uma vez para trás. Ele ainda está na cama... Me olhando e sorrindo gentilmente, enquanto eu acabo com a garrafa de whisky que lhe dei de aniversário.