segunda-feira, 25 de novembro de 2013

No precipício

Já era quase uma da manhã, esfriara bastante depois do sono dos justos, como ela costumava dizer. Um cigarro, um café e uma ciatalgia, das horas e horas dispensadas na cadeira desconfortável em frente ao computador.
— Eu não devia fazer isso. Eu não devia mesmo.
— O que?
— Me perder.
— Mas você sempre foi perdida. Se perder, no seu caso, seria se achar.
— Não seja tolo! Não estou falando da bebida, do cigarro, nem da erva ou meu caos pessoal. To falando de me perder em alguém.
— Oh! — Ele disse, lançando aquele olhar cheio de significado, que ela tanto odiava.
— O que? Que foi, agora? — Perguntou, ríspida. Bufando, eu diria
— Nada...
— Não me irrita, ok? Eu estou à beira de uma crise, sentada no precipício. Na berada do poço cheio de merda que eu mesma caguei!
— Meu deus! Quanto drama!
— É sério, ok? Se você puder me segurar, eu agradeço. — Disse, com um certo tom de desespero — De que adianta ter um terapêuta particular, se ele trata sua insanidade como drama?!
— Tá, tá... Calma! — Exclamou, pegando uma caneta e um bloco de notas.
— Você tá de brincadeira com a minha cara, né? — Gritou, impaciente.
— Você acabou de pedir por uma sessão de terapia!
— E você sabe que não foi isso que eu quis dizer! — Interrompeu
— Foi sim. Foi exatamente isso. — Disse ele, sereno. — Você não precisa que eu seja seu amigo e diga uma série de baboseiras do tipo “você é como é e é isso que importa” ou “tudo vai dar certo”. Você odeia esse tipo de coisa.
Ela se recostou na cadeira, acendeu um cigarro e ficou com aquele olhar vago de quem tem tantos pensamentos turbilhonando, que não consegue externar sequer um.
— Caminhe para a luz, Miss Bagunça. — Ele disse, estalando os dedos.
— Muito profissional, você! — Reclamou, indignada.
— Não seja rude, eu te amo. — Falou com um tom terno — Agora me deixa te segurar. Comece me falando sobre “se perder em outra pessoa”.
Ela se perdeu nos pensamentos, novamente.
Ele já vira aquele olhar um milhão de vezes, mas não se cansava dele, ainda mais quando era acompanhado de um sorriso bobo, como agora.
“Se perder não pode ser uma coisa boa, sabe. Mas, incrivelmente é tudo o que as pessoas querem: achar alguém para se perder.
Mas eu não. Eu sei o que acontece depois, eu sei o quanto sou desprezível. Sei que tudo desmorona no final e a tendência é que eu me estabaque no chão, levando para casa, cerca de cento e cinquenta fraturas expostas que levarão mais um bom tempo de internação, requererão repouso e têm péssimo prognóstico.
São muitos calos ósseos, sabe. Quanto mais você tem, mais difícil é quebrá-los de novo. Mas eu não.
Ah, eu sou mestre na arte de me fuder e fuder as pessoas ao meu redor. Você é meu irmão, sabe muito bem disso.
Onde eu estava? Ah! Se perder... Desculpa, me perdi.
Se perder em alguém é pular do precipício. Poucas pessoas valem a pena e eu confesso que achei que não encontraria mais nenhuma... Até encontrar.
Um amor sereno, sim. Nada flamejante, como costuma ser.
Ah, cara! “Eu sou tão madura, tão racional... Tão sem graça.”
Gosto mesmo é da queda, de sentir meus cabelos voarem, o vento me abraçar e a sensação de que aquilo é a última coisa que eu vou fazer. Cada milésimo de segundo dura uma eternidade e o coração (inconsequente, ele), recebe o mais puro sopro de vida, vindo da descarga infindável de adrenalina, que faz ele pulsar forte e rápido, como alguém que grita suas últimas palavras: TUM-TÁ!
Não se pode estar mais vivo que isso. Turbilhona sangue por todo o seu corpo, você se sente pegando fogo, quente, vivo!
... E aí depois morre.”
— Tô te achando bem viva.
— Shh! Não me interrompe. Estou construindo algo aqui.
— Vejamos.
“... E morre. Tá morto. Mortinho. Apático, insosso, cinzento, desiludido e crente de que a vida é melhor assim. Tá tudo certo no país do eletrocardiograma horizontal. A vida é uma maravilha em tons de cinza — Por favor, não me interrompa para falar daquele livro nauseante — Mas o Universo é uma coisa engraçada, que quer ser notada e, (in)felizmente, me notou.
Eu estava lá, quietinha no meu caixão, cultivando amizades não-saudáveis e conversas corriqueiras, como sempre fiz e... BAM!”
— BAM?
— É.
— Como BAM?
— Olha, eu sei que eu roubei uma parte do Q.I. que deveria ir para você, mas você precisava ter cultivado o pouco que sobrou, sabe.
— Apedreja esta mão vil que te afaga! — Disse ele, dramatizando a cena. — Fale sobre o BAM.
Ela abriu uma garrafa de vodka e jogou um pouco no copo.

— Não posso, to caindo.