segunda-feira, 27 de maio de 2013

Anjos e Demônios

Terno, gravata e sapatos velhos. Este era o uniforme diário de Arthur, um fumante inveterado, mau-humorado e viciado em cafeína, que passava seus dias megulhado em uma pilha de papéis embaralhados e bagunçados na sala 20 da repartição pública. Formou-se em direito, para despeito de seu pai, que sonhava vê-lo engenheiro. As pessoas ainda se perguntam se sua escolha foi por gosto, ou simplesmente para contrariar. Arthur nunca soube ser simpático, andava pelos corredores do prédio, onde encontrava diversas pessoas, mas em quinze anos de profissão, nunca retribuira, sequer um “bom dia”, que atualmente, só recebia dos recém-chegados, que nunca tiveram nenhum dos costumeiros encontros desagradáveis com ele, a quem se podia chamar de workaholic. Sim, Arthur traballhava dia e noite naquela maldita sala, como se fosse sair de lá com a cura do câncer. Ninguém, jamais ousava cruzar o seu caminho em dia de tribunal, havia um burburinho na repartição sobre isso. Arthur dividia opiniões no ambiente de trabalho. Aqueles pobres que já o trombaram em dia de audiência diziam, com uma certeza assustadora, ter visto a face do demônio, com narinas dilatadas e cenho franzido, pisando rudemente, com a determinação de quem pretendia destruir o assoalho. A datilógrafa, que acompanhava todas as audiências, descrevendo cuidadosamente tudo o que acontecia, costumava chamá-lo de Miguel Arcanjo, pois vira inúmeras vezes seu desempenho simplesmente magnífico perante o júri, resultado de todas as malditas horas enfurnado naquela sala mofada. Quantas pessoas Arthur já ajudara? Ela perdeu as contas há muito tempo. Por que um advogado exímio, extremamente brilhante, se sujeitava a uma vida medíocre, solitária e com salário de defensor público? Ela sabia o porquê. Sempre pôde ver o brillho que surgia em seus olhos, instantaneamente, quando ganhava uma causa perdida para um pobre coitado, que lutava contra algum general de dez estrelas...

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